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18 de maio: nesta segunda-feira celebram-se os 134 anos de desencarne de Leocádio José Correia

Médico paranaense compõe grande parte do acervo cultural da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas; como parte da memória desse grande espírito, republicamos hoje a entrevista concedida por ele à revista SER Espírita em 2008.

Em 18 de maio de 2020 celebram-se os 134 anos de desencarne do espírito Leocádio José Correia, um dos principais orientadores da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE). Nascido em Paranaguá, litoral do Paraná, em 16 de fevereiro de 1848, Leocádio desencarnou com apenas 38 anos de idade. E logo após – em pouco menos de dois anos -, começou a se manifestar espiritualmente: primeiro, no litoral do Estado de Santa Catarina; posteriormente, no Estado do Paraná, fazendo um trabalho fraterno de atendimento às pessoas e de divulgação da mensagem cristã, à luz da Doutrina dos Espíritos. Na SBEE, se manifesta por meio do médium e presidente da instituição, Maury Rodrigues da Cruz, há cerca de 65 anos, atendendo milhares de pessoas necessitadas.

A cidade litorânea guarda carinhosamente em sua memória a força da atitude profissional e humanitária de Leocádio. Respeitado e amado médico, ajudou a escrever a história do Paraná provincial, na segunda metade do século 19. Além de médico, foi também ator, escritor, jornalista e político.

MEMÓRIA – ENTREVISTA COM LEOCÁDIO JOSÉ CORREIA

A revista SER Espírita, um dos mais importantes projetos editoriais da SBEE, publicou uma entrevista com o espírito Leocádio José Correia em 2008, em sua primeira edição impressa. O trabalho faz parte da memória da grande obra SBEE, e também marca a vida e a vida após vida de um espírito que ajuda milhares de pessoas há praticamente 170 anos.

Veja abaixo a entrevista na íntegra psicofonada por Maury Rodrigues da Cruz no dia 17 de outubro de 2008. Assuntos como a jornada do homem na Terra, sua responsabilidade, o comprometimento com o aprendizado e coma preservação do planeta, o seu papel de agente transformador, a importância da busca de conceituações e fatos que remetem à paz, ao equilíbrio e à integração, especialmente no atual momento pelo qual o mundo passa, foram tratados na conversa com os jornalistas da SER Espírita.

Na Terra, a Doutrina dos Espíritos oferece a visão crítica do processo evolutivo e os centros espíritas têm seu papel na reflexão de que o homem é uma projeção do espírito. “Aprender é mudar comportamento”, afirma ele. Para isso, o primeiro passo seria aprender a pensar. “Quando aprendemos a pensar, compreendemos melhor o pertencimento a Deus e à humanidade e passamos a ter consciência da nossa responsabilidade”, ensina.

ENTREVISTA

SER Espírita: Considerando a atual condição social, econômica e ambiental do planeta Terra, qual o papel do Espiritismo neste século que se inicia?

LEOCÁDIO JOSÉ CORREIA – Basicamente é desenvolver uma teoria pedagógica da cultura do planeta voltada efetivamente para a promoção humana. Essa teoria deve conscientizar o homem criticamente para a planetização. Isso permitirá que ele vença alguns preconceitos e faça entendimento efetivo sobre a sua jornada na Terra. É muito importante que se diga que a Doutrinados Espíritos, num sentido de ciência, de filosofia e de religião tem, necessariamente, que tentar responder a uma visão de macrocultura. Se ela tentar resolver essa questão, estará fazendo uma proteção integral do homem. E não só nessa visão crítica e antropológica de ele ser o grande transformador do meio, mas também o estará conscientizando de que ele precisará preservar o planeta. E nós, espíritos, nesse momento temos uma preocupação intensa com a preservação do planeta. Por isso, a necessidade de um conceito de planetização e, consequentemente, de unanicidade planetária.*

*(consciência de unidade planetária).

SE: Qual a função do centro espírita nessa sociedade que dá prioridade maior ao ensino das ciências do que à filosofia e à religião?

LJC – Os dirigentes de centros espíritas devem alcançar o entendimento de que a Doutrina dos Espíritos tem uma política planetária para o Espiritismo e, assim sendo, para os homens. Os centros espíritas representam províncias de significação dessa política planetária. Na medida em que ela vai se manifestando, vai trazendo visões diferenciadas para que uma pequena localidade, um regionalidade, um país e um continente, recebam os efeitos críticos dessa proposta, que é sempre de uma antropologia evolutiva, que começa na biogênese e segue até a transformação cultural que o homem está vivendo, por exemplo, com a tecnologia. No entanto, o homem não pode crescer num âmbito físico, de um phylum* físico, e esquecer que ele é um phylum pensante (que é do espírito). O homem é uma projeção do espírito e nós precisamos permanentemente compreender que ele não poderá abandonar o ‘ser’ do ser humano (que é o espírito). Por isso, é preciso compreender esse grande significado do corpo sem esquecer que o pensador é o espírito, o conhecedor é o espírito, e que o agente de mudanças é o espírito. Assim, é necessário que a Doutrina dos Espíritos, nesse sentido de ciência, filosofia e religião, traga uma visão crítica do processo evolutivo do espírito na Terra. Para isso, ela terá que recorrer substancialmente à ideia do Creador e, consequentemente, da creatura. Deus não é um homem velho de barbas longas, mas é um centro efetivo de inteligência e de toda uma supremacia que se possa reconhecer como ordem, organização, ciência, filosofia e religião. Não estamos pregando um processo panteísta, estamos dizendo que somos todos vinculados a um ser essencialmente inteligente que denominamos Deus e que numa limitação da dimensão física não é possível compreender toda a sua abrangência, mas é possível perceber a sua existência.

*phylum: termo usado na classificação científica dos seres vivos.

SE: O senhor nos trouxe o conceito de que a maior vitória que uma pessoa pode alcançar é vencer a si mesma. O que recomendaria para que a pessoa consiga se superar mais facilmente?

LJC – Acho que nessa caminhada da Terra é muito importante – e por isso nós falamos numa política pedagógica espírita, ou uma pedagogia da cultura espírita – que nós passemos a ensinar e a sensibilizar as crianças a perguntar. Quem pergunta faz um rearranjo a nível de organização, faz uma caminhada interna. E é muito importante aprender a perguntar, mas também é muito importante aprender a ouvir. Com esse conhecimento, é necessário aprender a fazer o suporte para o aprendizado, para a transformação do comportamento. Saber perguntar, ouvir e aprender é uma trilogia efetiva da transformação do espírito no concurso dos elementos da Terra: todos os dias já ao levantar, as pessoas têm um chamamento muito grande que é o peso de estar encarnado. Isso significa um pouco de tensão – e a tensão é o sal da vida –, mas não é possível ficar tensionado 24 horas por dia. Essas tensões são necessárias para dar o sentido de caminhada na Terra. Então, é muito importante que, após os estágios de saber perguntar, ouvir e aprender, o homem comece a fazer aquilo que nós entendemos como de extrema significação, que é a reflexão. Ela é uma volta a todos os registros informacionais, experienciais que se teve ao longo do processo reencarnatório e também daqueles em que se fazem memória de encarnações pregressas. É aí que o homem começa, efetivamente, a perceber sua identidade, singularidade, personalidade, pessoalidade e, consequentemente, sua espiritualidade. Com isso, ele percebe que tem controle da expressão de vontade e começa a fazer um ajustamento entre os elementos que considera certos e errados. Mantém mais firmemente um controle sobre o equilíbrio móvel (às vezes, basta um olhar um pouco tenso de outra pessoa para que a que recebeu o olhar sofra uma alteração de equilíbrio). Com isso, o homem saberá aproveitar mais aquilo que pergunta, aquilo que ouve e que aprende.

SE: O que o senhor, espírito, espera de nós, espíritas?

LJC – Em primeiro lugar, que vocês alcancem com dignidade, força e compreensão a consciência do aprender a pensar. Quando aprendemos a pensar, aprendemos a empreender a nossa própria vida naquilo em que formos conscientes. Compreendemos melhor o pertencimento a Deus e à humanidade. Quando temos a consciência do pertencimento, temos a consciência da responsabilidade. Ao virmos à Terra e tentarmos a interação por meio dessa dialogia*, nós espíritos queremos que vocês se alcancem mais e, na consciência missionária, produzam mais. O médium espírita não pode ser um mero espectador da vida. Ele tem que ser agente participativo dela. Nós não estamos atrás de poder, nem de grandes construções ou monumentos. Nós queremos construir, efetivamente, uma nova mentalidade moral para a Terra e, ao construirmos essa mentalidade moral, que tem que ter o concurso do homem (o espírito encarnado), nós haveremos de fazer uma grande transformação política, social, econômica e cultural na Terra. Aliás, eu diria que vocês já fizeram um pouco dessa transformação. Vocês vivem uma reunião de organismos sociais, de estruturas sociais, num sentido de empreendedorismo social. Todos vocês estão ligados a grupos, por isso, já não são mais uma reunião de indivíduos que compõem a sociedade, mas uma reunião de pequenas organizações que compõem a sociedade. Isso é uma primeira fase de grandes transformações sociais, de uma ordem social e, consequentemente, uma ordem de melhor e de maior entendimento, porque quem vive esses pequenos grupos há de viver o grande grupo da sociedade.

*dialogia: diálogo

SE: Esta revista pretende ser uma alternativa de leitura espírita, sendo ainda um veículo do trabalho doutrinário, realizado na SBEE. O que o senhor espera dela?

LJC – Minha presença, ligada à Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas, se prende a um processo missionário vinculado a Maury Rodrigues da Cruz. Junto a uma plêiade de outros espíritos e alguns médiuns, na sucessividade do processo reencarnatório, foi composto um grupo que tem a expressão de fazer o trabalho doutrinário espírita e aumentar o sistema de ideias espiritistas na Terra. Isto vem paulatinamente acontecendo, dependendo efetivamente do conjunto de médiuns que compõe a própria instituição e que nos permitem, em uma linha crítica, produzir, responder e trazer elementos satisfatórios que possam fazer significação transformacional para o público. Entendo que esta revista tenha uma envergadura maior em território nacional – e com toda certeza, também, internacional –levando um pouco daquilo que alcançamos em face da conceituação e do fazer espiritista. Ela produzirá uma linguagem em caráter universal*, especialista*, alternativo* e individual*; e o fará dando forma*, significado*, uso* e, consequentemente, função* a essa dimensão, absolutamente crítica, que espíritos desencarnados e encarnados produzem na Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas. Temos, nós espíritos, grande esperança neste veículo. Eu, particularmente, acredito muito na imprensa. Acredito que ela tem uma significação extremamente transformadora, educativa e de criar a informação e a comunicação no meio social.

*caráter universal, especialista, alternativo e individual: conjunto de palavras que aponta os níveis de participação na cultura. Veja o significado completo no glossário dos Textos de Apoio no site da SBEE.

*forma, significado, uso e função: conceitos que explicam como os elementos culturais se caracterizam. Veja o significado completo no glossário dos Textos de Apoio no site da SBEE.

SE: Por que o senhor considera importante que as ideias e os conceitos alcançados, as mensagens e as pesquisas desenvolvidas na SBEE, tenham alcance nacional e até internacional?

LJC – O Espiritismo não faz proselitismo. No entanto, é fundamental que ele tenha veículos adequados para apresentar o produto mediúnico. E o público, ao tomar conhecimento de uma revista, que apresenta, com dimensões críticas o produto mediúnico, terá condições de fazer uma melhor recorrência a toda massa crítica doutrinária espírita. Por isso, acredito na força de um veículo responsável e solidário com o processo da evolução humana. E espero que esta revista faça congruência nessa linha de pensamento crítico em que o grande significado é dimensionar a mensagem espiritista em linhas educativas, para demonstrar que há, efetivamente, uma eternidade no ser inteligente.

SE: Ainda há muita curiosidade dos encarnados em relação ao “depois da vida”. O senhor já nos falou que quem desencarna é recebido por um orientador que o ajuda a rever o caminho percorrido. O senhor poderia explicar melhor?

LJC – Quando nós reencarnamos e reaprendemos a linguagem de uma cultura na qual estamos reencarnados, e também a partir do momento em que fazemos a primeira linha de associação (que chamam self), associamos nosso interior com nosso exterior. Depois disso nunca mais paramos de fazer um grau de associações e de complementações de vida no decurso terreno. Nessa dimensão efetiva da Terra, nessa crise da Terra, vivemos nos transformando. Aprender significa mudar comportamentos. De repente o tempo passa, vence o período efetivo de estada na Terra, e é preciso desencarnar. Os desencarnes ocorrem de maneiras diversas, havendo inclusive, irmãos nossos que cometem suicídio. Alguns não o fazem violentamente, mas estão tão desgastados em sua manutenção na Terra que começam a fazer um pessimismo da vida, trazendo súmulas muito deformadas da sua estada no planeta. Já não enxergam mais a beleza das flores, dos campos, dos lugares e principalmente das pessoas, da vida em si, da vida inteligente. Mas todos estão na fila do desencarne. E quando se deixa a Terra, se deixa uma linha mecânica, porque vocês se compõem num processo mecânico: andam mecanicamente, falam mecanicamente. Tudo é mecânico, menos o pensamento, que é do espírito. Deixando a Terra, há um impacto muito grande, porque mesmo ainda tendo o corpo perispirítico, se perdem as funções materiais. E de pronto, no desencarne, independente de religião, pois todos são filhos de Deus, vocês são recolhidos e levados para locais especiais para um tratamento adequado. Sendo um desencarne natural, o espírito que teve uma vida proveitosa, em que fez registros de suas diversas experiências, boas ou más, mas conscientemente soube administrá-las, dentro de 10 ou 15 dias (isso é muito relativo, depende de cada creatura, da sua possibilidade consciencial e de autoconhecimento), recobra plenamente suas funções. Aí ele passa a aprender, a fazer um treinamento e até a fazer um recobro de memórias pregressas. Como ele não fala mais mecanicamente, nem se alimenta e anda mecanicamente, tem que aprender a utilizar a força do pensamento. E na medida em que pensa, faz deslocamentos, compõe níveis de alimentos, de diálogo com o próximo. E isso é um treinamento. Então haverá alguns impactos porque ele precisa aprender quem é e a fazer a autentificação de sua própria identidade. Para isso existem instrutores superiores, creaturas que os recebem e alguns deles são especializados em os sensibilizar. Com firmeza, ajudam a fazer um exame consciencial. Depois, é como se aparecesse uma tela e ele visse alguns de seus comportamentos. O espírito reage porque ele nunca gosta de lembrar práticas ruins, principalmente depois que já fez um pouco de reciclo de vida e, por vezes, até já pediu perdão. No entanto, aquele comportamento somente será eliminado quando ele estiver plenamente consciente de que não poderá mais apresentá-lo. Alguns são renitentes, não aceitam que precisam recobrar a direção do seu movimento social. Mas a grande maioria aceita pelo próprio impacto de perceber que continua vivo, e é conduzido a locais especiais que são de um modo geral similares às escolas de vocês, para que possa aprender e se qualificar para também produzir. Esse é um momento difícil para a Terra, pois grande parte dos homens alcançou, pela tecnologia, um poder maior sobre outros homens, além de um conforto material maior, com sentido de enriquecimento. Isso tudo acarretou uma quebra no ponteiro do tempo e criou grandes constrangimentos numa ordem política, social, econômica e cultural. Eu diria que, com esse novo tempo, vocês vivem na Terra uma busca para alcançar conceituações novas e para fazer um fato novo, que seja mais agregado ao sentido de paz, de equilíbrio, de integração. Por isso, necessitamos tanto do concurso de espíritos bons, no sentido de visitadores da Terra, instrutores superiores, orientadores, sem ferir o livre-arbítrio do homem na Terra.